terça-feira, 3 de março de 2009

Uma simples tarde em Paris...

Certa vez passeando pelas ruas de Paris, notei o quanto àquela cidade é bela, como se não bastasse, logo ali bem perto do Rio Sena encontrei um homem interessante. Sujo, com as roupas rasgadas, barbudo, um verdadeiro homem das ruas e vielas parisienses. Seu nome era Michel e sua idade já era bem avançada, mas o que achei mesmo muito interessante foi o fato de que Michel estava ali com algumas telas, um pouco de tinta e muita arte em seu coração.
Curioso como de costume, fiquei ali observando seus gestos, suas caretas e formas de pintar aquelas telas, algumas bem sujas de algo que não era tinta, mas de alguma forma Michel conseguia contornar a sujeira ou até mesmo utiliza-la em sua pintura. Me aproximei mais um pouco, sem deixar que ele me visse, continuei olhando, logo notei que em uma das telas Michel estava trabalhando com cores bem fortes, mas não deixava de utilizar cores suaves, ele implantava ali uma mistura fina do leve com o pesado, mas que ao se unir logo dava a impressão de força, de uma sustentação sem fim, era como se através da tela, o velho barbudo transmitia aquilo que teria vontade de falar.
Naquela tarde pude entender que as mais diversas formas de se expressar carregam consigo um grande lema, que nada mais é do que a liberdade. Quando todos podem imaginar que aquele velho sujo, com roupas remendadas e morador das ruas é um ser desprezível e acorrentado em uma mente vazia e sem perspectivas, é aí que Michel se mostra o contrário, livre, sem correntes, com a sujeira exposta pelo corpo, com uma moradia em cada esquina, ele vai nos mostrando que a liberdade é algo muito valioso, é algo que devemos construir e conquistar. Ao mesmo tempo em que para muitos aquele homem não tem valor social, posso dizer com a propriedade de quem o observou de perto, com atenção, respeito e carinho pelo que ele estava representando ali. Michel coloca em suas telas toda sua história de vida, momentos de dor, de fraqueza em que ele se via derrotado pela bebida, momentos de alegria como quando pegou sua filha Marie no colo pela primeira vez, momentos de ódio e de muita fúria quando viu sua esposa sendo morta friamente por dois assaltante em sua própria casa, mas também, coloca ali ensinamentos, caminhos diferentes, interessantes e sem tanto peso, mostra através de suas diversas misturas coloridas que o mundo pode ser mais jovial, mais repleto de boas emoções, com uma juventude mais ativa e mais participativa aos assuntos globais.
Antes de partir e continuar minha caminhada até o hotel aonde eu estava hospedado, não resisti e fui falar com Michel, que até então era um homem da rua que pintava telas em uma das praças mais populares de Paris. Ao chegar bem perto dele, logo ele sorriu e se apresentou, dizendo seu nome e me explicando um pouco sobre o que acontece todos os dias naquela mesma hora quando ele começa a pintar suas telas. Michel disse que faz isso há exatos treze anos e que nunca havia visto alguém tão interessado em suas pinturas, disse também que me viu desde quando eu estava longe só olhando e que não mora nas ruas, mora em uma avenida movimentada no sul de Paris, com a filha Marie.
O curioso disso tudo é que Michel me disse que antes da morte de sua esposa, ele levava uma vida que para os padrões da sociedade está correta, ele deixou claro que é um artista profissional e que ganhava a vida com isso, mas após a perda de sua esposa passou a se expressar vestido daquele jeito. Todos os dias, na mesma hora, Michel sai de casa vestindo seus farrapos, sujo de graxa e carvão que ele mesmo faz questão de espalhar por seu corpo e fica pelas ruas pintando.
Ao me despedir de fato, dei os parabéns a Michel pela forma como ele encontrou para expressar seus mais diversos sentimentos e idéias sobre a vida. Sabiamente, nosso amigo Michel me disse que não era necessário remeter os votos de parabéns a ele e sim parabenizar os governantes de cada nação, a sociedade medíocre que se fantasia de puritana para não enxergar os reais problemas ao seu redor. E disse ainda, que sem essa baderna mundial, homens como ele não teria serventia. Confesso que fui embora, caminhando até o hotel e fui pensando nas palavras daquele homem, na forma como seu jeito, seus pensamentos me tocaram numa simples tarde em Paris. Certamente Michel conseguiu transformar através de seu conjunto o simples em algo especial.

Anderson

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